Cartão de crédito, cheque especial, empréstimo bancário, financiamento da casa própria, leasing do carro, consignado em folha de pagamento, consignado em conta bancária, parcelamento em loja de até 24 vezes... A combinação entre a superoferta de crédito e os impactos da crise econômica - redução de rendimentos e desemprego - começa a mostrar os seus efeitos na capacidade do cidadão equacionar o seu orçamento e honrar as dívidas.
Diante do endividamento, o caminho de volta ao azul passa pela reorganização do orçamento familiar, negociação para parcelamento dos débitos, troca de dívidas mais caras por empréstimos a juros menores e, em último caso, a declaração da insolvência civil, ou seja, a falência da pessoa física.
O último balanço divulgado pela Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) mostra que o Serviço de Proteção ao Crédito de Belo Horizonte (SPC-BH) registrou, em fevereiro, uma queda de 13,55% no volume de cancelamentos de registros, que acontecem quando o consumidor regulariza os seus débitos. Frente a fevereiro de 2008, quando sopravam os bons ventos do crescimento, a redução foi de 19,96%.
O problema é que agora temos um cenário de desemprego e redução de renda, seja pelos acordos coletivos ou pela queda na remuneração do profissional mesmo, como um vendedor que recebe comissões, por exemplo. De setembro para cá, o volume de endividados que procuram o instituto cresceu 65%”, aponta José Geraldo Tardin, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec).
Tardin explica que, para os casos mais graves, quando a quitação de débitos é inviável e a soma das dívidas é superior ao patrimônio do endividado, a alternativa pode ser a insolvência civil. “É exatamente como na falência, só que no lugar da empresa há a pessoa física. O consumidor pode entrar na Justiça e solicitar a declaração do seu estado de insolvência”, diz Tardin, lembrando que a insolvência está prevista no Código Civil.
Uma vez iniciado o processo judicial, todas as dívidas do consumidor vencerão antecipadamente.
Todos os seus bens presentes e os adquiridos no curso do processo serão vendidos e o apurado na venda dos bens será dividido entre os credores, proporcionalmente aos seus créditos. Extintos os bens, o consumidor será declarado insolvente, mesmo que ainda restem dívidas em aberto. Passados cinco anos da declaração de insolvência, sem que o devedor pague o saldo remanescente das dívidas, elas serão consideradas extintas e o consumidor poderá voltar à ativa, fora dos serviços de proteção ao crédito, com suas dívidas e seu passado zerado.
“Não é um processo simples nem rápido, mas é uma solução radical que o devedor pode adotar para começar de novo”. As consequências são sérias, pois que entre o pedido de insolvência e sua declaração, mais o prazo de cinco anos para extinção das dívidas, o consumidor poderá ficar até dez anos sem ter acesso a serviços bancários, cartão de crédito ou cheque especial. “Ele também não vai poder comprar bens móveis ou imóveis em seu nome, sob o risco dos credores pedirem a venda e divisão destes bens”.
Da partilha entre os credores, salvam-se apenas a casa própria e o salário do consumidor, considerados impenhoráveis. Tudo aquilo que não é considerado bem necessário à sobrevivência da família, como outros imóveis,carros, obras de arte e bens de valor vão para a praça.
O presidente da Associação Brasileira de Consumidores, Danilo Santana, alerta que se houver uma tentativa de esconder bens para fraudar o processo, o consumidor pode responder criminalmente pela fraude. “É preciso estar preparado para enfrentar uma briga com credores que tentarão verificar se ele escondeu algum bem ou fez alguma doação posterior à dívida”, aponta Santana. “A insolvência deve ser a última saída. O melhor é tentar negociar um parcelamento da dívida”.
Mesmo sem a declaração de insolvência civil, depois de cinco anos as dívidas originadas em relações de consumo, como aquelas contraídas junto a lojas, administradoras de cartões de crédito e bancos, prescrevem e o nome do consumidor deixa de constar nos serviços de proteção ao crédito. “No entanto, se o credor entrar com uma ação judicial, esse prazo deixa de ser contado. O expediente só funciona quando o valor é baixo e o credor entende que não vale a pena uma execução”, destaca o presidente do Ibedec.
Para aqueles que ainda não chegaram à insolvência mas estão sendo consumidos pelos juros, Tardin lembra que é possível entrar com ações revisionais na Justiça. “Nos casos de dívidas de cartão de crédito e cheque especial, a Justiça tem arbitrado em cima do juro médio praticado no mercado para pessoa física, entre 5% e 6%. É uma boa diferença em relação aos 11% do cartão de crédito e 8% do cheque especial”, aponta Tardin, destacando que o caminho é a Justiça Comum.
Já para quem ainda tem condições de readequar o orçamento para voltar ao azul, o consultor de finanças pessoais Ofir Viana explica que o primeiro passo do endividado é listar despesas e receitas e confrontá-las. “Quanto mais cedo isso for feito, melhor. O endividamento é como uma bola de neve. Quanto mais tempo a pessoa passa temerosa sem tomar uma atitude, maior a bola de neve a ser enfrentada”, alerta Viana, destacando que é preciso quitar, primeiro, as dívidas mais caras: empréstimos junto a financeiras (11,49%), cartão de crédito (10,68%), cheque especial (7,85%) e empréstimo pessoal junto a bancos (5,54%).
“Se for possível trocar uma dívida de juros mais altos por outra de juros mais baixos, como o consignado, por exemplo, vale a pena. Mas é preciso cuidado e racionalidade. O dinheiro do novo empréstimo deve ser utilizado exclusivamente para fazer face à dívida mais cara, caso contrário a situação só vai piorar”, explica o consultor, destacando que a origem do endividamento está na forma como as pessoas pensam o próprio orçamento.
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